Diagnóstico Genético Pré-Implantacional e Política Nacional de Atenção Integral em Genética

Já ouviu falar de Diagnóstico Genético Pré-Implantacional?

Trata-se de um exame feito em embriões após uma fertilização “in vitro” para testar a presença de problemas genéticos.

Depois de analisados, apenas os embriões sem a mutação são implantados no útero materno. A técnica tem auxiliado casais com doenças genéticas a terem filhos saudáveis, inclusive em famílias com DH.

O jornal O Estado de S. Paulo publicou matéria sobre o assunto, que tratou também da Política Nacional de Atenção Integral em Genética pelo SUS, pela qual a ABH luta bastante.

Pesquisa genética ajuda famílias com histórico de doenças raras

Cerca de 5% das gestações resultam no nascimento de uma criança com algum tipo de anomalia congênitaLuiz Fernando Toledo,

Especial para o Estado

07 Novembro 2013 | 17h30

Marcelo Alves, de 15 anos, é um jovem de sorte. Sua rotina, comum para um garoto paulistano de classe média, poderia ter sido interrompida por uma doença incurável que consta em seus genes. Apesar de ter a mutação, herdada da mãe, a enfermidade não se manifestou. Por isso, o garoto leva uma vida normal. Divide o tempo entre os estudos e a capoeira, arte que o fascina desde criança. Sai de casa às 6h30, quando vai à escola, e retorna às 18 horas, horário para ler e realizar o dever de casa. Pelo cansaço, às vezes dorme às 19 horas. No primeiro ano do ensino médio, diz que sabe até o que quer como profissão: ser advogado criminalista.

Os pais do garoto, Ana Lúcia e Marcelo Meizes, são portadores do gene da fibrose cística, doença hereditária e incurável que debilita o portador progressivamente até a morte prematura. Ter a mutação não significa ter a doença, já que ela é recessiva (precisa de dois genes alterados para se manifestar), mas há risco de transmissão aos descendentes. Ana teria 50% de risco de transmitir sua mutação e Meizes, outros 50%. Ou seja, a possibilidade de Marcelo tê-la adquirido era de 25%.

Só aceitaram ter o filho depois de pedir uma pesquisa genética pré-natal, realizada no Departamento de Genética da Universidade de São Paulo (USP), que apontou que o feto era portador apenas dos genes da mãe, mas não do pai. Foi o que o livrou do destino trágico. Como a gravidez não era esperada, pensaram até em aborto caso o feto tivesse a doença.

Dois anos antes, a família de Marcelo perdeu um filho por desconhecer a existência da fibrose cística. Aos seis meses, quando morreu, o bebê já tinha enfrentado hérnias, hepatite e pneumonia. “Ninguém entendia o que ele tinha”, lembra Ana Lúcia, com tristeza. Só chegaram às respostas com a necrópsia e a indicação de um médico da Escola Paulista de Medicina, que os sugeriu um diagnóstico genético molecular, também conhecido como mapeamento genético. O procedimento indicaria, por meio de um exame de sangue, se os pais tinham algum tipo de doença nos genes. Meizes e sua mulher não suportariam ver outro filho sofrendo até a morte.

Hoje, o jovem conhece a história de seu nascimento. Mas nem toca muito no assunto, para não magoar a mãe, que ainda se lembra do primeiro filho. Precisará se preocupar apenas se decidir que quer ter filhos no futuro, pois há risco da futura parceira também ter a mutação no gene. Marcelo ficou sabendo do exame e da doença de que se livrou há apenas dois anos. Os pais preferiram esconder o quanto conseguiram. Sem muito espanto, perguntou apenas por qual motivo ele sobreviveu e o irmão não. “Não é justo”, ele disse. Ana Lúcia ficou imóvel. “Ainda penso sobre isso e acho que nunca vou ter a resposta. Tive somente que agradecer a Deus por você estar vivo”.

Exames. A pesquisa genética pré-natal feita pela família surgiu na década de 1970 no Brasil, por meio de trabalhos desenvolvidos pela USP. É realizada durante a gravidez e consiste na retirada de líquido amniótico da placenta, que contém células do bebê. Com elas, é feito um estudo do DNA. Segundo a diretora do Centro de Diagnóstico Genesis Genetics Brasil (GGB), Juliana Cuzzi, o ideal é que a mãe esteja grávida há pelo menos nove semanas. Quando fala do exame, Ana Lúcia estremece com a lembrança da “grande agulha” que lhe foi inserida no umbigo para a retirada do líquido. “Foi difícil ter coragem, tive de tentar três vezes”, lembra. Em 1998, o procedimento custou cerca de R$ 4 mil à família.

Evolução da pesquisa foi o Diagnóstico Genético Pré-Implantacional (DPI ou PGD, na sigla internacional), surgido na década de 1990. Em vez de mapear o DNA do feto, o PGD é um exame complementar à reprodução assistida. Os embriões são gerados fora do corpo materno por fertilização in vitro. Deles, são retiradas até cinco células para análise. Só o embrião saudável é transferido para o útero materno.

Em 2007, começou a ser estudada outra técnica chamada Hibridização Genômica Comparativa (CGH), uma forma de PGD que contempla todos os 23 pares de cromossomos das células, capaz de detectar alterações cromossômicas. De acordo com o Centro de Estudos do Genoma da USP, o estudo já é capaz de detectar cerca de 300 doenças, como a doença de Huntington, síndrome de Down, síndrome de Turner, entre outras.

No GGB, o valor do PGD varia de acordo com o motivo do encaminhamento. Para doenças familiares como a fibrose cística, o custo é de aproximadamente R$ 8 mil. Para análise de alterações cromossômicas como síndrome de Down e Turner, entre R$ 1,5 mil e 6 mil, dependendo do número de embriões analisados.

Para a geneticista do Departamento de Genética da USP, Mayana Zatz, o mapeamento genético, para casos em que a família apresenta alto risco, é positivo por impedir a manifestação de inúmeras doenças raras. Ela defende a inclusão do diagnóstico genético molecular no Sistema Único de Saúde (SUS). A bióloga acredita que, embora sejam caros, esses procedimentos evitariam gastos que os pais terão por toda a vida com o filho.

Juliana ressalta que existem poucos laboratórios em hospitais públicos que sejam capazes de realizar o mapeamento, como o Hospital das Clínicas, em São Paulo. A argumentação da geneticista é semelhante à de Mayana com relação à gratuidade e expansão do serviço no SUS. “Quando a doença já se manifestou na família, eles deveriam ter direito ao mapeamento genético”, explica.

Como exemplo, Juliana cita o caso de um paciente do interior de São Paulo, que tem um filho com anemia falciforme. A doença não é fatal, mas necessita de cuidados por toda a vida. O portador precisa de transfusão de sangue periódica, já que tem baixa produção de hemácias. Quem paga o tratamento é o SUS. Como o casal quer ter outro filho e há o risco de a alteração gênica se manifestar novamente, foi feito um acordo com a prefeitura da cidade para que o órgão público pague a eles a reprodução assistida e o PGD.

Custos. Relatório do Grupo Brasileiro de Estudos da Fibrose Cística aponta que, em 2010, houve 1798 registros da doença no Brasil, sendo que 47,8% dos casos estão na região Sudeste, seguido por Sul (25,7%), Nordeste (21,1%), Norte (3,5%) e Centro-oeste (1,1%).

Considerando que as pessoas que manifestam a doença correspondem a cerca de 25% do total de indivíduos com a mutação em pelo menos um dos seus genes, pode-se estimar que seria necessário realizar o exame de PGD em, pelo menos, 7 mil famílias. Somando o custo médio do PGD e da fertilização in vitro, o custo total para evitar a transmissão hereditária da fibrose cística seria por volta de R$ 118 milhões. Se a mesma estratégia fosse usada para as cerca de 300 mutações raras já mapeadas, o valor poderia chegar a ordem dos bilhões.

De acordo com Maria Gorete Nunes, que faz parte da Associação Brasil Huntington (ABH), ao menos três entidades têm pressionado o Ministério da Saúde pela aprovação da Portaria 81/2009, que institui a Política Nacional de Atenção Integral em Genética pelo SUS: a Aliança Brasileira de Genética (ABG), o Grupo de Estudos de Doenças Raras (GEDR) e a Associação Maria Vitória (AMV), entre outras. Embora ainda não existam estudos sobre o tema, estima-se que 19 mil brasileiros portem o gene da doença de Huntington e outros 95 mil têm risco de adquiri-la por hereditariedade.

Cerca de 5% das gestações resultam no nascimento de uma criança com algum tipo de anomalia congênita ou doença genética. A informação é embasada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a Sociedade Brasileira de Genética Clínica e a Sociedade Brasileira de Genética. O oferecimento do mapeamento genético na Portaria 81/2009 consiste em alguns tópicos relatados no portal do Ministério da Saúde.

No texto, destaca-se “garantir atenção especializada em genética clínica, na atenção básica às famílias e indivíduos com problemas relacionados a anomalias congênitas e doenças geneticamente determinadas”. O primeiro objetivo listado no documento trata de “organizar uma linha de cuidados integrais (promoção, prevenção, tratamento e reabilitação)”. Não há menções à implementação do PGD, que muitos especialistas consideram uma utopia no SUS, mas considera-se o aconselhamento genético como “pilar central da atenção à saúde em genética clínica” e que “deve ser garantido a todos os indivíduos e famílias sob risco de anomalia congênita ou doença. genética”.

Fonte: Estadão.com.br – Pesquisa genética ajuda famílias com histórico de doenças raras