Direitos e Previdência Social

Direitos e Previdência Social

Direito do Trabalho

A experiência tem demonstrado que, dos primeiros sintomas da doença até a incapacidade para o trabalho, poderá transcorrer um período relativamente longo, cuja duração dependerá em grande parte da atividade exercida, do tratamento seguido, do acompanhamento, sobretudo psicológico, e do apoio familiar. Cabe ao próprio trabalhador e a seus familiares decidir se deve “abrir o jogo” com a direção da empresa. Muitas companhias, hoje em dia, adotam políticas especiais dentro da chamada “responsabilidade social da empresa”, e podem até colaborar com a família do trabalhador. O que não se deve fazer jamais é pedir demissão quando aparecerem as primeiras dificuldades. Na fase inicial da DH, o trabalho é um fator de terapia, e o trabalhador pode ser readaptado para outras funções até o afastamento definitivo. É possível pensar, também, em um “acordo” por necessidade financeira, ligado ao levantamento do FGTS e do PIS/PASEP. Essa providência, porém, não é recomendada, a não ser em última hipótese, e mesmo assim, sob a orientação específica de alguém que entenda de questões trabalhistas e previdenciárias.

Deve-se ter sempre em mente que o trabalhador em gozo de benefício previdenciário – auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez – não pode ter seu contrato de trabalho rescindido. Este é um dado importante a considerar em qualquer tomada de posição.

Benefícios Previdenciários:

Um dos grandes problemas enfrentados pelos pacientes com DH é o acesso ao auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. Abaixo saiba como pleitear o auxílio-doença, aposentadoria, grande aposentadoria e Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Para ter acesso a esses benefícios, é fundamental que a pessoa não perca a condição de segurado, ou seja, que esteja contribuindo com o INSS, ou que não tenha parado de contribuir há mais de 12 meses (ou 24 meses se o segurado já contribuiu há mais de 10 anos sem nunca haver perdido a condição de segurado).

Caso tenha ultrapassado os 12 meses, será necessário recriar o vínculo com a Previdência e, para isso, o trabalhador precisará contribuir, no mínimo, por 4 meses e poderá se cadastrar como “contribuinte facultativo”, recolhendo 20% sobre o valor que quiser e puder: de um salário mínimo até, no máximo, o teto de contribuição – valores que aumentam anualmente, sempre no mês de janeiro. Para isso, basta fazer o recolhimento através de carnê ou de Guia da Previdência Social (GPS) diretamente nas agências bancárias. O código de contribuinte facultativo mensal é “1406”.

Estando na condição de segurado, tendo sido caracterizada a doença e constatada a incapacidade para o trabalho, a pessoa poderá requerer o benefício “Auxílio Doença”, que será convertido em Aposentadoria por Invalidez após algum tempo, confirmada a irreversibilidade do quadro.

Passos para pedido do “Auxílio Doença” e “Aposentadoria por Invalidez”:

  1. Agendar através do telefone 135 ou pelo site da Previdência (www.previdencia.gov.br) uma perícia médica.
  2. Comparecer munido dos documentos:
    • CPF, RG, Carteira Profissional, Número de Identificação do . ;
    • Relatório Médico detalhado em que conste:

      I. Nome da doença, com seu CID (Doença de Huntington: CID G-10);

      II. Data do início da doença;

      III. Como evoluiu a doença;

      IV. Prognóstico;

      V. Qual a incapacidade;

      VI. Data do início da incapacidade.

      Observação: importante constar do relatório que a pessoa “não está apta a exercer suas capacidades laborais” e/ou “ocupações habituais” (para quem não está trabalhando).

  3. Atestados médicos, exames de laboratório, atestados de internação hospitalar, atestados de tratamento ambulatorial, todos originais, entre outros que comprovem o tratamento médico, devidamente atualizados;
  4. Todos os comprovantes de recolhimento à Previdência Social (guias ou carnês de recolhimento de contribuições: Guia de Recolhimento do Contribuinte Individual – GRCI, Guia da Previdência Social – GPS e/ou antigas cadernetas de selos);
    • Para quem estiver trabalhando: requerimento de benefício por incapacidade devidamente preenchido, assinado e carimbado pela empresa e pelo segurado, devendo constar a Data do Último dia de Trabalho (DUT).
  5. Comprovante de endereço.

ABH tem disponível um documento com um resumo sobre o que é a DH, suas implicações e necessidades do paciente, que pode ser levado na perícia, uma vez que muitos peritos não conhecem a doença.

Quando o paciente precisar da ajuda permanente de cuidadores, ele poderá pedir o benefício da “grande invalidez” (artigo 45 da Lei no 8.213: “O valor da aposentadoria por invalidez do segurado que necessitar de assistência permanente de outra pessoa será acrescido de 25%.”).

No relatório médico deverá mencionar que “o paciente necessita da assistência permanente de outra pessoa para a realização de suas atividades de vida diária”. Esse benefício só é facultado às aposentadorias por invalidez.

Importante:
É permitido que o segurado leve seu médico particular na ocasião do exame pericial, às suas próprias custas.

Atenção: o parágrafo único do artigo 59 da Lei e o § 1o do RPS, vedam a concessão do benefício àquele que se filiar à Previdência sendo já portador da doença invocada para a concessão do benefício. Contudo há uma ressalva:

“(…) salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão”. Por isso, é importante também que mesmo que a pessoa já esteja com sintomas, ao voltar a contribuir, fique bem claro que o segurado já estava doente quando foi demitido ou parou de pagar, porém desconhecia o diagnóstico. Se possível, levar documentos que indiquem essa situação como exames médicos da época, afastamentos etc. Dessa forma, poderá ser comprovado o agravamento.

Portanto, para evitar problemas na hora do pedido de aposentadoria, é muito importante que a pessoa não pare de contribuir com o INSS por mais de 12 meses.

Mais informações, acesse: www.previdencia.gov.br

Benefício de Prestação Continuada – BPC (ou Benefício da LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social)

Aquelas pessoas que não contribuíram com a Previdência Social ou perderam definitivamente a condição de segurado, poderão pleitear o BPC, benefício destinado a pessoas com deficiência ou idosos acima de 65 anos, que comprovarem renda mensal per capita, isto é, individual, de até um quarto de salário mínimo.

Importante: recentemente o Superior Tribunal de Justiça fixou tese confirmando que, se uma pessoa da família já recebe o BPC, ela não deverá ser considerada na comprovação da renda per capita, como acontecia até então.

Observação:
Caso o paciente de Huntington não tenha conseguido a aposentadoria ou o BPC por vias administrativas, poderá entrar com pedido através da Defensoria Pública ou de advogado particular. (Advogados, em geral, cobram depois, se ganharem a ação.)

 

Assistência Social

Diz a Constituição que a assistência social será prestada a quem dela necessitar (art. 203). Interessa-nos aqui falar sobre o benefício de prestação continuada (BPC) também conhecido como “LOAS” em referência à Lei n. 7.842/93 (Lei Orgânica da Assistência Social). Além do idoso (para este efeito, a pessoa a partir dos 65 anos, cf.art. 4º da Lei n. 10.741/03 – estatuto do idoso) – tem também direito ao BPC a pessoa portadora de necessidades especiais. É o nosso caso. Um e outro devem provar, contudo, que não recebem benefício algum da Previdência Social, e que nem eles nem a entidade familiar em que estão inseridos têm como prover seu sustento. A Lei n. 7.842/93 considera essa situação caracterizada quando a renda familiar per capita for de até ¼ do salário mínimo. A jurisprudência, contudo, vem abrandando esse requisito que, muitas vezes, dificulta demais o acesso ao benefício, ou seja, mesmo que a renda per capita seja superior àquele valor, os juizes têm concedido o benefício sob o argumento de que a lei não pode restringir o acesso a um direito constitucional nos casos em que o cidadão realmente precisa.

Quem paga o BPC é o INSS e, portanto, é junto às agências desse órgão que o benefício deve ser requerido. No site www.previdencia.gov.br encontram-se as instruções e o modelo de requerimento. Trata-se de um benefício que não dá direito ao abono anual (13º) e não é transferível para outra pessoa. Extingue-se com a morte do beneficiário.

 

Direito Civil

Neste item abordaremos apenas a questão da interdição do portador de DH. Não é incomum que, algum tempo após a manifestação mais aguda dos sintomas, a pessoa comece a apresentar sinais de demência, a  ponto de não mais conseguir gerir sua vida civil, ou fazê-lo de forma a comprometer seus negócios. É o caso, pois, de se pensar numa eventual interdição, até para proteger os interesses do próprio doente. Às vezes uma procuração passada em cartório pode resolver quase todos os problemas de forma menos trágica. Contudo, a interdição dá mais garantias ao doente.

A interdição é um instituto do Direito da Família, que visa primordialmente a proteger o maior incapaz para que não seja prejudicada a execução de suas obrigações sociais, comerciais e familiares, e para que haja proteção efetiva de seus bens e de sua pessoa. Regem este instituto os arts. 1.767/1.783 do Código Civil e os arts. 1.177/1.186 do Código de Processo Civil. A interdição deve ser promovida pelos pais ou tutores, pelo cônjuge, ou por qualquer parente e pelo Ministério Público. Se for promovida pelos primeiros, sempre através de advogado, o Ministério Público funcionará como defensor dos interesses do interditando. Se for o Ministério Público a promover a ação, o juiz nomeará um curador especial (advogado) para zelar pelos interesses da pessoa a ser interditada. O interditando também poderá nomear advogado para defender-se. Igualmente, qualquer parente sucessível pode constituir advogado para essa finalidade, arcando com os respectivos honorários (art. 1.182, § 3º do CPC).

O juiz poderá nomear um curador provisório. Ouvirá a pessoa que está sendo interditada e nomeará um médico perito para proceder ao seu exame. É de suma importância, pois, a perícia médica. Outras provas também podem ser produzidas. Ao final, se for caso de interdição, o juiz nomeará o curador que, preferentemente, deve obedecer à ordem do art. 1.775 do Código Civil: cônjuge ou companheiro; pai ou mãe, ou, na falta deles, o descendente que se mostrar mais apto, sendo que, entre todos, os mais próximos precedem os mais remotos. Mas o juiz pode nomear outra pessoa.

A sentença de interdição produz efeito desde logo, mesmo sujeita a grau de recurso. Será inscrita no cartório de registro civil, e dela constarão o nome do curador e os limites da curatela (o que significa que a interdição pode ser parcial, apenas para alguns efeitos).

O curador terá um ônus difícil, pois, além de “tomar conta” do interdito, deverá prestar contas em juízo e estará sujeito a fiscalização pelo Ministério Público. A prestação de contas, sobretudo quando o interditado não está internado, não é tarefa das mais fáceis, e mais difícil ainda se torna se ele tem bens, rendimentos, aposentadoria, etc.

 

Fonte: Boletim ABH de setembro de 2015 e Livro/ Ebook: “Guia para Famílias e Profissionais de Saúde” cap. XVIII “ Aspectos  Jurídicos”:   Dr. Antonio Lopes Monteiro Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP. Mestre em Direito Penal. Licenciado em Filosofia e graduado em Sociologia Política pela Universidade de São Paulo – USP.